Burnout: um conceito de medicalização/psicologização

Burnout: um conceito de medicalização/psicologização



Na nossa postagem de hoje iremos abordar sobre a medicalização e a psicologização.  Para isso realizamos uma resenha do artigo Burnout e estresse: entre medicalização e psicologização, de Isabela Vieira e Jane Araujo Russo, no ano de 2019, na revista Physis: Revista de Saúde Coletiva, o qual apresenta as questões de medicalização e psicologização relacionadas ao burnout e estresse.
De acordo com Viera e Russo (2019), o primeiro conceito utilizado para definir burnout, em 1974, estava relacionado ao esgotamento próprio das profissões de cuidado. Entretanto, as pesquisas realizadas no fim do ano de 1980, passaram a relacioná-lo também ao contexto de saúde coletiva, em especial a saúde do trabalhador. Um dos principais sintomas provocados por essa síndrome é o estresse, o esgotamento físico e o mental. Geralmente é definida como síndrome psicológica decorrente do estresse crônico laboral. Por ser considerada uma reação crônica, o burnout se tornou conhecido como problema de saúde pública, por suas consequências associadas à depressão e também aos fatores socioeconômicos, como gatilho desencadeador dessa síndrome. 

Segundo as autoras, a concepção de burnout, como um problema psicossocial, ganhou força após a Segunda Guerra Mundial. Isso se deu com o surgimento das ideias de justiça social, e com a indústria que para suprir a demanda e aumentar o desempenho, apoiou-se do conhecimento psicológico, buscando por melhores ambiente de trabalho e bem estar do trabalhador industrial, visando a humanização do trabalho. Entretanto, posteriormente a essa fase as pesquisas retornaram para aspectos mais microssociais, tendendo para individualização.

Viera e Russo (2019) apontam que, para entendermos o fenômeno burnout, precisamos pensá-lo não só em termos de sua medicalização, mas também como objeto de psicologização. As autoras destacam que existe uma estreita relação entre um processo e o outro, por isso, adotaram a expressão “medicalização/psicologização” (p.4).  Para analisarem a relação entre medicalização e psicologização, elas se referiram à medicalização “como processo irregular e fora do território médico” (p.4-5). Clarcke (2003, citado por Viera & Russo, 2019) compreende a medicalização, como um processo que passa a considerar aspectos da vida como problemas médicos. Por sua vez, a psicologização é compreendida como uma “medicalização indireta” (Viera & Russo, 2019, p.6). Dessa forma, apontam que o elo entre a medicalização e a psicologização parece estar na individualização.
Para caracterizar o processo de psicologização, Viera e Russo (2019), embasam na teoria de Louis Dumont sobre a ideologia que tipifica as sociedades modernas, em especial a dimensão que se refere sobre a oposição entre individualismo/igualdade e holismo/hierarquia como configurações que demarcam dois tipos de sociedade. De acordo com as autoras, as pesquisas com base nesse referencial têm como tema principal a constituição e difusão dos saberes psicológicos ligados a ideologia do individualismo, formando assim um modelo “psicologizado” de pessoas.
Desta forma, para Viera e Russo (2019), a psicologização está atrelada com o campo das ciências médico-psicológicas, sob a perspectiva da medicalização/psicologização. O burnout está dentro de um contexto histórico e cultural, relacionado a um processo de individualização, que leva a propagação sociocultural da ideia de fadiga ou esgotamento causado pelo trabalho.
De acordo com Viera e Russo (2019), o estresse é outro fator decorrente do burnout, ligado às tensões e fadigas, relacionadas ao modo de vida moderna e urbana, este modo de vida pode ser visto como uma agressão social a natureza humana. O estresse é considerado o principal fator desencadeador da fadiga “ruim”. As autoras evidenciam o envolvimento das emoções e como as relações cotidianas influenciam e contribuem para o desenvolvimento do estresse. Porém, não se pode categorizar o estresse somente por fatores externos, tem que se levar em consideração, fator biológico e psicossocial.
Outros aspectos que contribuem para o surgimento do estresse são os estímulos estressores, que levam o indivíduo a exaustão e ao esgotamento nervoso, provocando assim, resposta biológica e uma reação patológica do sujeito. Segundo Vieira e Russo (2019), a reação fisiológica, é uma resposta mediada pelo sistema nervoso central, que comandaria os diversos níveis de reação, inclusive a resposta hormonal e bioquímica. Este processo pode ser desencadeado pela exposição a fatores de natureza física, psíquica ou social, provocando uma resposta estereotipada e inespecífica, como resposta de estresse. Assim, o corpo reage a esse estresse de diferente forma, dependendo do grau de estresse ao qual o indivíduo é submetido.
Vieira e Russo (2019), concluíram que apesar das tentativas de distinguir burnout e estresse, na prática, os seus sentidos estão misturados. Para as autoras a diferença pode ser feita definindo o estresse como uma resposta normal e até vital, e burnout com uma resposta negativa. Apesar disso, consideram o estresse importante para a construção da noção de burnout. 
Com isso percebemos, que por individualizar, passa então a tratar de forma medicalizante e psicologizante  ­­questões que são causadas pelo contexto social em que o individuo pertence.



Referência

Vieira, I., & Russo, J.A. (2019). Burnout e estresse: entre medicalização e psicologização. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(2), 1-22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312019290206.

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